(Por Edson Gallo)*
Há um silêncio estranho quando a mentira passa correndo pela internet. Não é o silêncio da ignorância; é o da cumplicidade. A fake news não nasce inocente. Ela é parida com método, amamentada por interesses e solta no mundo sabendo exatamente aonde quer chegar. O espanto não está mais em quem a cria — este já fez da falta de caráter um ofício —, mas em quem a acolhe, a compartilha e a defende como se fosse uma extensão do próprio desejo.
Vivemos um tempo em que a notícia falsa não precisa ser verossímil. Basta ser conveniente. Há quem a reproduza não porque acredita, mas porque quer acreditar. Porque aquela versão do mundo confirma seus preconceitos, conforta suas raivas, legitima suas pequenas violências diárias. A mentira vira abrigo moral. Um lugar quente onde a maldade encontra repouso.
No século XXI — este século de telas luminosas e consciências opacas — não há mais espaço para o argumento da ingenuidade. Não se trata de “não saber”. Trata-se de escolher não saber. Não há inocentes quando há algoritmos. Há cálculo, repetição, recompensa. Cada curtida é um afago. Cada compartilhamento, um prêmio. A mentira circula porque dá retorno emocional, porque produz pertencimento, porque transforma o ressentimento em identidade.
Rubem Braga talvez observasse isso da janela, com o café esfriando na xícara, e diria que o problema não é a velocidade da informação, mas a lentidão da ética. A mentira digital não é um erro técnico; é um sintoma humano. Ela revela menos sobre os fatos e mais sobre quem a espalha. Já não importa se é verdade ou não. Importa quem você se mostra ser ao decidir apertar o botão de compartilhar.
Há, claro, os profissionais da sordidez. Os que sabem que mentem. Os que editam frases, recortam imagens, inventam contextos e dormem tranquilos. Esses não pedem desculpas porque não reconhecem culpa. São canalhas por convicção. Caetano Veloso já nos alertou, em verso, sobre os “podres poderes” que oferecem abrigo aos canalhas — esses que prosperam quando a ética vira ruído e a verdade, um detalhe incômodo.
Mas há também os outros, talvez mais perigosos: os que se dizem “de boa-fé”, mas se alimentam da crueldade alheia; os que não verificam porque não querem; os que compartilham com a frase clássica: “se for verdade…” — como se o dano viesse depois, como se a dúvida os absolvesse. Não absolve. Nunca absolveu.
O tempo que vivemos não é mais o tempo da checagem ingênua, do “vamos ver se é verdade”. É o tempo do desvelamento moral. A fake news funciona como um espelho. Ela não prova nada sobre o mundo, mas revela tudo sobre quem a dissemina. Mostra valores, limites, ou a ausência deles. Expõe o caráter como quem acende a luz num quarto escuro.
Talvez o maior drama não seja a mentira em si, mas o prazer que muitos encontram nela. O riso torto, a vingança simbólica, a sensação de pertencimento a uma turba invisível. A internet não criou os canalhas — apenas lhes deu palco, aplauso e algoritmo.
E assim seguimos, rolando a tela como quem folheia um jornal sem tipografia, onde a verdade já não disputa espaço com a mentira: disputa com o desejo. E quase sempre perde.
Édson Gallo é escritor, advogado, membro de diversas agremiações culturais, atualmente é o Secretário de Esportes, Cultura, desporto e lazer de Araguaína



