Risco na Boca: PL do Deputado Gaguim busca proibir amálgamas com mercúrio e proteger milhões de brasileiros

A iniciativa alinha o Brasil à Convenção de Minamata e propõe alternativas mais seguras, sustentáveis e modernas para tratamentos odontológicos.

Cerca de 8 milhões de brasileiros continuam sendo expostos ao mercúrio em tratamentos odontológicos, mesmo diante das evidências científicas que comprovam os danos causados por esse metal tóxico à saúde humana e ao meio ambiente. O alerta foi reforçado nesta terça-feira (24), durante um seminário realizado na Câmara dos Deputados, onde especialistas denunciaram os riscos do uso contínuo de amálgamas de mercúrio em consultórios dentários.

A discussão reacendeu o debate em torno do Projeto de Lei 3098/21, de autoria do deputado federal Carlos Henrique Gaguim (União-TO), que propõe a eliminação total do uso de amálgamas dentários com mercúrio no Brasil em um prazo de três anos. O projeto, que tramita na Comissão de Saúde da Câmara, também estabelece restrições imediatas para grupos mais vulneráveis, como gestantes, crianças, adolescentes e pessoas com doenças neurológicas ou renais.

Um metal perigoso ainda comum nos consultórios

Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tenha proibido, desde 2019, a comercialização de amálgamas com mercúrio não encapsulado, o uso em procedimentos odontológicos continua presente no dia a dia do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente entre a população mais vulnerável.

“O Brasil precisa adotar medidas mais arrojadas em direção ao desenvolvimento humano sustentável com a eliminação do uso do amálgama dentário em todo território nacional no menor prazo possível”, defendeu o deputado Gaguim, destacando a urgência de modernizar as práticas odontológicas no país.

Para ele, a tecnologia já oferece alternativas mais seguras e eficazes, e os profissionais estão aptos a realizar procedimentos com materiais livres de mercúrio. “Com o treinamento adequado, é possível fazer restaurações com a mesma agilidade, mas com segurança para o paciente e para o meio ambiente”, completou.

O impacto ambiental invisível

Durante o seminário, especialistas como a dentista Magda Siqueira e a sanitarista Cecília Zavariz reforçaram o impacto ambiental do uso do mercúrio, que vai muito além dos consultórios. Parte desse resíduo tóxico acaba direcionado ilegalmente para o garimpo artesanal e de pequena escala, o que torna o Brasil o quinto maior poluidor do mundo com mercúrio, segundo dados da Aliança Mundial por uma Odontologia Livre de Mercúrio.

“Na natureza, o mercúrio não se decompõe. Ele se transforma, contamina o solo, os rios, os peixes e, por consequência, as pessoas. É uma cadeia invisível, mas devastadora”, alertou Siqueira.

Mari Polachini, representante da Aliança Mundial pela Odontologia Livre de Mercúrio, foi ainda mais enfática:

“Quatro por cento dos brasileiros estão recebendo amálgama na boca. Estou falando de 8 milhões de pessoas que estão se transformando em passivos ambientais. Até quando?”

Uma ameaça que persiste mesmo após a morte

A fala de Mari Polachini chocou os presentes ao revelar um dado muitas vezes ignorado: mesmo as obturações antigas representam risco ambiental. “Se eu morrer e for cremada, o mercúrio vai para o ar. Se for enterrada, vai para o solo. Ou seja, meu corpo é um poluente tóxico”, afirmou.

Essa afirmação escancara a necessidade de não apenas banir o uso, mas também de promover uma política pública efetiva de substituição e destinação segura dos resíduos já existentes.

Diagnósticos difíceis, vidas comprometidas

Outro ponto dramático da audiência foi o depoimento do presidente da Associação dos Trabalhadores Intoxicados por Mercúrio, Valdivino Rocha, que precisou de um transplante de rim após anos de exposição. Rocha relatou as dificuldades para conseguir diagnóstico e responsabilização das empresas:

“As empresas alegam que não podem pagar indenizações. Enquanto isso, vidas são destruídas silenciosamente.”

O projeto de Gaguim: um plano para virar a chave

O PL 3098/21 obriga consultórios que ainda utilizam amálgama de mercúrio a elaborarem, em até 90 dias, um plano de transição, com cronograma de substituição e destinação correta dos resíduos, proibindo o armazenamento de mais de 500 gramas dessas substâncias no local.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), relator da proposta na Comissão de Meio Ambiente, lembrou que o Brasil é signatário da Convenção de Minamata, acordo internacional que prevê a eliminação progressiva do uso do mercúrio.

“Boa parte da população brasileira não tem acesso ao tratamento alternativo ao uso do mercúrio, seja por desinformação ou deficiência do poder público. Precisamos colocar esse acordo em prática”, afirmou Tatto.

Um avanço pela saúde pública e ambiental

O projeto do deputado Carlos Gaguim surge como um importante passo para alinhar o Brasil às diretrizes globais e garantir que a população, especialmente a mais vulnerável, tenha acesso a tratamentos odontológicos seguros, modernos e sustentáveis.

“A eliminação do amálgama com mercúrio é mais do que uma atualização técnica — é uma questão de justiça ambiental, de dignidade humana e de responsabilidade com as futuras gerações”, finalizou Gaguim.

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